domingo, 2 de outubro de 2011

Quem desce a escada?

A instalação artística de Regina Silveira no metrô de São Paulo propõe uma intervenção na vida popular. Por meio de projeções de imagem em vídeo de uma escada, juntamente com sons de passos, o espectador tem a impressão de que está constantemente descendo degraus, até que, chegando ao fim, volta ao começo, retomando a descida. Com isso, o espectador é imerso em um momento de reflexão sobre a vida, e tem uma reflexão subjetiva de interação naquele lugar cotidiano, agora vivenciando de outra forma. Silveira explica que a descida de degraus representa a vida, que está em constante mudança: após muito descer, chegamos ao fim, para em seguida começar uma nova etapa, uma nova descida, com novos degraus. 
E por que a artista opta pela metáfora da descida, e não da subida de degraus da escada? Possivelmente para retratar uma visão pessimista da experiência humana, que, embora os livros de auto-ajuda digam que é feita de autos e baixos, também pode ser compreendida como uma sucessão de obstáculos, num movimento constante de declínio. "Descendo as escadas" permite a conclusão de que o tempo passa, o mundo gira, mas as coisas acabam voltando sempre ao estado em que inicialmente se encontravam. Um possível entendimento dessa lógica reside na constatação de que a revolução socialista preconizada por Karl Marx nunca aconteceu. O sistema econômico ainda é o mesmo, sendo assim a vida social pouco se altera, e está em constante declínio, ou em constantes e sucessivas situações de descida. 
Embora se pareça interessante que as pessoas cheguem a essa ou outra conclusão a respeito da obra de Silveira, como forma de se libertar das amarras ideológicas de um sistema que anseia por uma população conformada, cabe perguntar: quem desce as escadas? Ainda que a intenção da artista seja boa, não me parece razoável supor que os sujeitos apressados que utilizam o metrô irão desfrutar as instalações. E ainda, que decidam parar por um momento para ver do que se trata, não conseguirão refletir profundamente sobre suas existências, já que a obra se insere no tempo do trabalho,e não do ócio.
Sendo assim, o alcance é sempre limitado aos intelectuais, que se deslocam até a obra com o intuito específico de conhecê-la. Aos que passam e verificam o que está lá de maneira curiosa e descompromissada, enquanto aguardam a chegada do próximo trem, fica apenas o entretenimento raso de uma instalação cibernética que não se encontra em qualquer lugar. Ou seja, o público de arte é sempre o mesmo. É ingênuo pensar que instalações colocadas em lugares de grande movimentação popular irão despertar o apreço artístico em pessoas que ainda possuem carências mais básicas, como alimentação, educação e saúde, e vivem constantemente pressionadas por rotinas árduas de trabalho.

Juliana Meres Costa
juliana.meres@gmail.com

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sociedade das máscaras

São vários os fatores que constroem a identidade de um ser humano: aspectos sociais, apropriação de conceitos alheios e experiências próprias no decorrer de nossa estranha existência. À medida que a sociedade se adapta às mudanças no decorrer dos séculos, somos sentenciados a novos valores, tradições e costumes. E com esse admirável mundo novo do século XXI não seria diferente.
As chances de você alcançar o sucesso em todos os lados do espelho desse prisma chamado vida são maiores comparados com o meio em que sua avó cresceu. Pra falar a verdade, a única diferença entre o seu tempo e o dela é que a oferta de máscaras disponíveis no mercado é maior. Você pode (aparentar) ser aquilo que você quiser sem se preocupar com o que você realmente é. Nesse sentido, Lars Von Trier parece um mestre de expor a complexidade humana, despindo a todos nós de todas as farsas em que somos forçados a atuar. Em "Melancholia", Justine, interpretada por Kirsten Dunst, é uma mulher que possui uma vida perfeita e equilibrada, mas que oculata dentro de si o peso melancólico de não sentir interiormente completamente sua vida exterior. É parte do clichê comum "Mas fulano tem tudo! Não há motivo para ele ser/agir assim!"
A questão não envolva simplesmente o fato de não conseguirmos ser nós mesmos a todo momento, mas aborda o discurso de que ninguém sabe realmente o que sentimos e pensamos. É aquela sensação de tristeza que às vezes não sabemos exprimir, apenas sentir.
Se transportarmos para a realidade comum a atmosfera melancólica e vazia criada por Lars Von Trier, não ficamos espantados ao perceber que esse sentimento é mais presente do que se pode imaginar. Mais recentemente, um menino de 10 anos se apropriou da arma do pai, levou-a para a escola, atirou na professora e depois se suicidou com um tiro na cabeça. O crime, ocorrido em São Caetano do Sul, chocou não só pela ação da criança em si, mas pela afirmação que todos fizeram: "Era um menino bom, inteligente, e que nunca faria algo desse tipo."
Pelo fato de admitirem conhecer tão bem essa criança, acreditar no que ele foi capaz de fazer é duvidar de sua própria capacidade de confiar. Ao invés de procurarmos possíveis motivações do crime, resta-nos levantarmos não só questões sócio-educativas, mas sobre o ser humano e sua relação com o outro. O menino D., aparentemente normal, e Justina, aparentemente feliz. Não somos capazes de desvendar o outro, muito menos a nós mesmos. É a melancolia inserida num contexto abstrado e atuando na realidade. De máscaras vivemos, e só nós sabemos o que se passa por trás delas.

Por:  Camila Mazi Dacome
camilla_mazi@yahoo.com.br

Nega-tivas

A ocupação da artista Regina Silveira nos espaços dos metrôs de São Paulo provoca o espectador/ator ao pensar sobre o próprio espaço utilizado por ele em seu cotidiano.
Uma escada virtual e interativa que desce lentamente em caracol a um destino obscuro sob o som de passos de pessoas invisíveis revela a essência do ato de usar o metrô. Escada e metrô, ambos meios de transporte, lapsos de tempo, servem de meios para se chegar a algum lugar, são um tempo considerado morto, porém necessário.
Os chamados zumbis que povoam os metrôs de São Paulo, com suas sonolências ou seus olhares perdidos no nada da espera inevitável são representados pelos passos constantes, fortes e vagarosos de pessoas na escada virtual; pessoas essas invisíveis tais quais as do metrô, espaço de não existência e não percepção.
A obra da artista, por mais simples que pareça ao primeiro olhar, questiona a vida cotidiana profundamente em suas dinâmicas, suas esperas, suas repetições. Seria a vida moderna uma sequência de repetições assim como essa escada que sobe e desce infinitamente sem sair do lugar?

Por: Paulo Bortolini
pbmotta@gmail.com